10 A PONTE DO GUADIANA

Ê sou duvidor à terra
E a terra me está devendo
Em vida m’há-de pagar
E ê pago à terra em morrendo

I
Devo à terra a criação
E devo-l’o mê narcimento
E devo-l’o meu alimento
E devo a minha geração
E devo-l’o próprio caixão
Onde o mê corpo s’encerra
E devo-l’a atmosfera
Assim ao mundo eu existo
E até a roupa que visto
Ê sou duvidor à terra

II
Pois s’ê da terra é que faço
Produzir ‘tã belos frutos
Que dá imensos produtos
Deve o suor dos mês braços
Se nã fosse o mê cansaço
Isto um bosque ‘tava sendo
O que nela estava vivendo
Só alguns arracionais
E o valor que tem a mais
A terra me está devendo

III
A terra é uma estrutura
Faz uma parte d’aniverso
E a terra ‘tá sendo um berço
Para qualquer criatura
Mas deve-m’a sipultura
Quand’ê estiver a findar
E antes de m’ê sipultar
Par’ dentro do mê jazido
E acerta contas comigo
E em vida m’há-de pagar

IV
Qu’ê bem sei qundo morrer
Que na terra sou estragado
Em terra sou estanformado
Para a terra nã dever
E eu assim estou a viver
Anos da terra ê comendo
Por isso estou oferecendo
Mê corpo à terra quirida
E a terra paga-me em vida
E ê pago à terra em morrendo

Joaquim Tareco
Vidigueira
Recolha feita no CD O Jardim do Mundo

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Parece que estava escrito
(Como a vida nos engana)
O sonho era mais bonito
Para lá do Guadiana

Agora que estou contigo
Debaixo da mesma ponte
À sombra do mesmo abrigo
Temos o mesmo horizonte

Sempre o mesmo casario
Com a sina nas cozinhas:
Aceitar o desafio
Feito pelas andorinhas

Por aquela ribeirinha
Houve um homem que partiu
Ainda lá está a pedrinha
Donde ele se despediu

“Ò águia que vais tão alto”
Vem de longe este cantar
O “ponto” e depois o “alto”
Tenho aqui o meu lugar

Quando vejo aquela porta
E o menino lá sentado
Qualquer coisa me conforta
Que não vejo em nenhum lado

Ref:
Já passaram tantos anos
Desde que me fui embora
Somos um pouco ciganos
Anda sempre alguém por fora

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Música: João Gil

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FIM