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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

FIM DA TARDE

Chego sempre tarde à vida
ou nasci tarde demais.
Não sei...
Como aqueles animais que ainda a mãe mal parida
berram por leite e rebentos...

Em nada fui o primeiro
nem sequer nos meus momentos
É triste, bem sei...
Mas quando vou, vou inteiro!

Apanho sempre o combóio em andamento
e, invariavelmente, espalho-me todo no chão.
Espalho peúgas, sonetos,
às vezes uma colher ou uma côdea de pão
Tudo restos de mulher,
estilhaços de coração
Até um pássaro de algibeira
que me adormece ao meio-dia
foge por uma janela
-Vai, alma de colibri!...
-Vai, luzinha derradeira!...
Se a minh’alma perco aqui
então que se vá por inteira!

Chego sempre tarde à vida
Mordo as mãos para a sentir
E depois fico a sorrir como o palhaço idiota
que sangrou na derradeira piada
Porque já não tem mais nada,
porque já ninguém o nota...

Chego sempre tarde à vida
Perco os óculos e o norte
Se a alma foi de partida
e o combóio já vai ligeiro
Vou chegar a tempo à morte
E quando for, vou inteiro!

5 comentários:

Anónimo disse...

Somos sempre os primeiros para alguém, ainda que muitas vezes passemos uma vida inteira sem o saber... só porque esse alguém achou que era demais evidente.

Quanto a chegar tarde, conheço bem a dor de o saber, mas tenho uma desvantagem em relação a si, não sou poeta.

Muito obrigado e uma boa-noite!

Silvestre Gavinha disse...

Também não posso me dizer poeta, embora ame a poesia e de poetar, bem que gostaria.

Mas sei o que é chegar tarde. Ando sempre a desafiar os limites do tempo.
Vivo a alargá-lo.
Brinco de bambolê.
Não sei lidar com horário.
Sigo cantando: Time is on my side!
Esperando angariá-lo, seduzi-lo, enganá-lo.
Mas sou eu sua armadilha.
Cheguei tarde em mim. Agora, vivo o momento.
Inteira.
Lindo poema
Inspirador.
Já disse que muito me aprazem suas versalhadas
Abraço
Marie

San disse...

duvido. para mim a vida é que dá um salto em frente, às vezes, só para não te facilitar a escrita. coisas de musa...

Anónimo disse...

"Il ne faut pas exagérer; on finit par dépasser les limites"

É o que fazes sempre que escreves

zoltrix disse...

inteiro também, este teu poema!