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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

ESPINGARDAS E CEGONHAS

As crianças trazem cegonhas de Paris.
Roubam-nas aos carrosséis de lata e concertina
e fazem-lhes berços de oliveira no alto das chaminés.
Depois brincam de roda no céu
enquanto o calor do pão
aquece o soninho das cegonhas

O meu avô não sabia ler.
Um dia fez-me uma espingarda com uma cana
e disse-me que os poetas conseguem ver as crianças
brincando à volta das chaminés.
Eu perguntei-lhe: o que é um poeta, avô?
E vai ele num repente:
É uma pessoa que vê o que não existe,
escreve o que não se vive,
e faz voar o que nem andar sabe.

Não entendi nada
mas, quando ele me afagou o rosto
e me colocou a espingarda no colo
percebi que um dia podia ser um grande caçador!

Era assim o meu avô…

Isto só vem a propósito
porque tinha a Belmira no telhado.
Vinha todos os anos
e aquecia-se ao calor do pão.

A cegonha Belmira...

Apesar de eu ser um caçador,
embora de calções,
nunca apontei a minha espingarda de cana à Belmira.
Nunca!

8 comentários:

Anónimo disse...

Afinal, só não "entendeu" as palavras na definição de poeta dada pelo avô, porque para além de poeta, o menino era também poema, neste caso.

Um caçador nunca será um soldado.

Voltarei a este templo das palavras, com muito gosto, sempre.

San disse...

e não será a poesia que faz do poeta presa também?

Anónimo disse...

Pois é... nunca apontaste a espingarda de cana à Belmira, porque nasceste com a Belmira na mira.

Sorte a nossa... Porque agora andamos aqui todas as madrugadas a "babar" por um tiro do caçador.

E venha o próximo!
Lena

Silvestre Gavinha disse...

Depois do já dito, tão belamente dito, sem palavras, baixo a pena.
Queria ter conhecido esta cegonha.
As minhas cegonhas trazem-me bebês que passo noites a esperar para apará-los.
Minha poesia tem sempre roseas carnes a alimentar-me noites e dias.
A tua cegonha trouxe-te com a semente da mais terna poesia.

Estranho Fulgor disse...

Força, Professores do meu país!

(...)poetas do meu país/troncos da mesma raiz / da vida que nos juntou(...) - Júlio de Sousa!

Abraço e muitos beijinhos!

Nota: As novas fotografias aqui do teu canto são muito bonitas.

Anónimo disse...

Pois!
O que o teu avô te disse não dizendo, é que os poetas são os caçadores com espingardas de cana.
Podem as Belmiras sossegar!

Anónimo disse...

Um "caçador de cegonhas" tem sempre um gatinho adorável, o caçador ancestral.

Parabéns pelo Blog.

Necas

peciscas disse...

Nunca apontaste a espingarda à Belmira porque
és uma pessoa que vê o que não existe
escreve o que não se vive
e faz voar o que nem andar sabe.

Mas usas a arma das palavras,também
porque vês o que existe à tua volta
escreves sobre o que é a nossa vida
e fazes voar os que nem falar podem.


Como (ex)professor deste país, aqui deixo um muito obrigado à Aldina pela força que nos dá.