As crianças trazem cegonhas de Paris.
Roubam-nas aos carrosséis de lata e concertina
e fazem-lhes berços de oliveira no alto das chaminés.
Depois brincam de roda no céu
enquanto o calor do pão
aquece o soninho das cegonhas
O meu avô não sabia ler.
Um dia fez-me uma espingarda com uma cana
e disse-me que os poetas conseguem ver as crianças
brincando à volta das chaminés.
Eu perguntei-lhe: o que é um poeta, avô?
E vai ele num repente:
É uma pessoa que vê o que não existe,
escreve o que não se vive,
e faz voar o que nem andar sabe.
Não entendi nada
mas, quando ele me afagou o rosto
e me colocou a espingarda no colo
percebi que um dia podia ser um grande caçador!
Era assim o meu avô…
Isto só vem a propósito
porque tinha a Belmira no telhado.
Vinha todos os anos
e aquecia-se ao calor do pão.
A cegonha Belmira...
Apesar de eu ser um caçador,
embora de calções,
nunca apontei a minha espingarda de cana à Belmira.
Nunca!
8 comentários:
Afinal, só não "entendeu" as palavras na definição de poeta dada pelo avô, porque para além de poeta, o menino era também poema, neste caso.
Um caçador nunca será um soldado.
Voltarei a este templo das palavras, com muito gosto, sempre.
e não será a poesia que faz do poeta presa também?
Pois é... nunca apontaste a espingarda de cana à Belmira, porque nasceste com a Belmira na mira.
Sorte a nossa... Porque agora andamos aqui todas as madrugadas a "babar" por um tiro do caçador.
E venha o próximo!
Lena
Depois do já dito, tão belamente dito, sem palavras, baixo a pena.
Queria ter conhecido esta cegonha.
As minhas cegonhas trazem-me bebês que passo noites a esperar para apará-los.
Minha poesia tem sempre roseas carnes a alimentar-me noites e dias.
A tua cegonha trouxe-te com a semente da mais terna poesia.
Força, Professores do meu país!
(...)poetas do meu país/troncos da mesma raiz / da vida que nos juntou(...) - Júlio de Sousa!
Abraço e muitos beijinhos!
Nota: As novas fotografias aqui do teu canto são muito bonitas.
Pois!
O que o teu avô te disse não dizendo, é que os poetas são os caçadores com espingardas de cana.
Podem as Belmiras sossegar!
Um "caçador de cegonhas" tem sempre um gatinho adorável, o caçador ancestral.
Parabéns pelo Blog.
Necas
Nunca apontaste a espingarda à Belmira porque
és uma pessoa que vê o que não existe
escreve o que não se vive
e faz voar o que nem andar sabe.
Mas usas a arma das palavras,também
porque vês o que existe à tua volta
escreves sobre o que é a nossa vida
e fazes voar os que nem falar podem.
Como (ex)professor deste país, aqui deixo um muito obrigado à Aldina pela força que nos dá.
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